AQUILO QUE FOI
Imensidão, diversidade e contrastes, três substantivos que demarcam o território amazônico, as extensas terras do Norte brasileiro. Histórias da mata e dos rios convivem com as tensas narrativas urbanas. O olhar de Ana Mokarzel se faz atento ao que é estável e aquilo que, encoberto, se revela na imagem captada, recortada do universo cotidiano. Para Roland Barthes a Fotografia não fala daquilo que não é mais, mas apenas e com certeza daquilo que foi. Essa sutileza é decisiva.Que imagens são essas que ora coloridas, ora preto e brancas são retiradas de um tempo vivido, de um instante que não se repete, de uma realidade adversa que persiste, de uma memória fragmentada que pode esquecer aquilo que foi? Entre instantes passados e diferentes realidades observa-se traços da bela paisagem, do rosto anônimo, sofrido ou alegre, que vive no lugar distante, ou se encontra na rua logo adiante.Independente do tema, de como estão classificadas as fotografias, as imagens apresentam aquilo que foi, aquilo que é. O olhar sensível de Ana busca realidades distintas, interage com o fotografado. Não diretamente com ele, mas com algo que vem dele e que adere ao instante do ato fotográfico. As preocupações formais com a cor, com os tons de cinza, com o enquadramento não desvirtua a intensidade da cena, o indecifrável permanece e provoca um sentir que vem da imagem e ao mesmo tempo está em quem vê.
A lente foca e desfoca, ao mesmo tempo define planos, traduzindo territórios, não necessariamente o amazônico. Essas terras acolhem diferentes etnias, se deixam flagrar no trânsito cultural de uma sociedade híbrida que se firma no enfrentamento das condições adversas. As identidades perpassam paisagens, pessoas, firmam-se nos grupos indígenas, nos ícones como o Ver-o-Peso, nas representações religiosas e culturais como o Círio. No entanto, o que demarca a região amazônica é apenas uma das faces das imagens captadas por Ana, que se somam a outras e revelam diferentes lugares e culturas.O olhar que vai muito além do simples registro é o que fica. Persiste a sutileza poética de imagens concebidas por quem percebe o mundo com delicadeza e intensidade.
Marisa Mokarzel